“Encantado”, de Lia Rodrigues, estreia no Brasil, no Sesc Pinheiros

Com o impacto da Covid-19 – no Brasil e no mundo – a coreógrafa Lia Rodrigues criou seu novo espetáculo – Encantado – a partir de uma questão: como “encantar nossos medos”, a fim de recriar um coletivo dinâmico e aproximar os indivíduos uns dos outros.

Um convite ao regresso às fontes naturais de força, em busca de imagens, paisagens e movimentos que, semelhantes aos “encantados”, viajam de um corpo para o outro, o novo espetáculo de Lia também evoca, no título, o desejo de usar a magia e a encantação como guias para conduzir o processo criativo da obra, ocorrido entre abril e novembro de 2021, em plena crise sanitária.

Como todos os projetos da Lia Rodrigues Cia. de Danças, a peça foi criada no Centro de Artes da Maré, no Rio de Janeiro, instituição criada e dirigida pela Redes da Maré e pela companhia de Lia, desde 2009.

Foto: Sammi Landweer

Encantado estreou na França, no Festival de Outono de Paris, em dezembro de 2021, em temporada em dois teatros dos quais Lia Rodrigues é artista associada: o Teatro Nacional de Chaillot e o LeCenquatre, que co-produziram o espetáculo, junto com outras 16 instituições culturais da Europa.

A estreia no Brasil acontece agora, entre março e abril de 2022, por intermédio do SESC São Paulo, no Teatro Paulo Autran (Sesc Pinheiros). A temporada inclui apresentações de Fúria, espetáculo que Lia Rodrigues Cia. de Dança estreou em 2018 em Paris, também em parceria com o Festival de Outono, chegando no ano seguinte ao Brasil, primeiro no Festival de Teatro de Curitiba e depois no Sesc Anchieta (São Paulo). 

Foto: Sammi Landweer

Sobre Encantado

A palavra “encantado”, do latim incantatus, designa algo que é ou foi objeto de encantamento ou de feitiço mágico. “Encantado” é também sinônimo de maravilhado, deslumbrado ou fascinado e também uma expressão de cumprimento social.

No Brasil, a palavra “encantado” tem ainda outros sentidos. O termo se refere às entidades que pertencem a modos de percepção de mundo afro-ameríndios. Os “encantados”, animados por forças desconhecidas, transitam entre céu e terra, nas selvas, nas pedras, em águas doces e salgadas, nas dunas, nas plantas, transformando-os em locais sagrados. 

“Como encantar nossos medos e nos colocarmos no coletivo, próximos uns dos outros? Como encantar o que nos cerca, imagens, danças e paisagens e transformá-las em nossos corpos e ideias?  Como entrar em encantamento e nos acoplarmos, nós e o ambiente, em arranjos variados e ir ao encontro dos seres viventes em toda a sua diversidade?”

Simbolicamente, “encantados” são seres que atravessam o tempo e se transmutam em diferentes expressões da natureza. Não experimentaram a morte, mas seguiram em outro plano, ganhando atribuições mágicas de proteção e de cura. Deste modo, as ações predatórias que ameaçam a vida na Terra, a destruição sistemática das florestas, dos rios e do mar impactam também a existência dos Encantados. Não há como separar os encantados da natureza ou a natureza desses seres.

Foto: Sammi Landweer
'Fúria"

Sobre Fúria

Em Fúria, um mundo povoado de imagens de dor, beleza, violência, opressão e liberdade se constrói e se desmancha sem trégua, diante dos olhos do público. Os corpos dos intérpretes da companhia se destacam e se perdem em meio às roupas, sacos plásticos, rejeitos, em uma mistura de cores, formas e texturas. Um trecho de uma música tradicional dos povos indígenas Kanak, da Nova Caledônia, repetido infinitamente, acompanha grande parte da performance.

“Como espiar o tempo em um mundo dominado por uma infinidade de imagens contrastantes – medonhas e belas, sombrias e luminosas – atravessadas por uma infinidade de perguntas não respondidas e perpassadas por contradições e paradoxos?  Como espiar o tempo em um mundo de fúria? Como dar visibilidade e voz ao que está invisível e silenciado?”. Esses são alguns dos questionamentos que Lia destaca como desencadeadores da obra.

Sobre as ações sanitárias da Lia Rodrigues Cia de Danças durante a COVID-19

Durante o período de criação de Encantado, entre abril e novembro de 2021, a companhia de Lia Rodrigues se alinhou à campanha “A Maré diz NÃO ao Coronavírus”, da Redes da Maré, que durante 2020 e 2021 colocou em prática ações contra o coronavírus na região. O Centro de Artes tornou-se centro dessas ações – ele funciona como local de armazenamento e distribuição de alimentos, garrafas de água, produtos de higiene e limpeza e equipamentos de proteção individual (EPI) para 17 mil famílias da região que vivem em extrema pobreza. O Centro de Artes também foi o local da organização da vacinação de mais de 30 mil moradores da Maré em três dias.

Através da Redes da Maré, a companhia de dança de Lia Rodrigues foi orientada nos protocolos de testagem através do projeto Conexão Saúde – De olho na Covid, uma parceria das instituições Centro Comunitário Manguinhos, Cruz Vermelha, Dados do Bem, Estáter, Fiocruz, Redes da Maré, SAS Brasil, Todos Pela Saúde e União Rio, e do aplicativo Dados do Bem, parceria da Redes da Maré com a Fiocruz.

O Centro de Artes da Maré, um lugar para as artes que tem dois palcos magníficos, ocupou esses espaços com cestas básicas que foram distribuídas por muitas pessoas, unindo dessa forma arte, cultura e sociedade. “A sociedade civil se organiza no Brasil, assumindo o papel que o Estado se recusa a cumprir. A Redes da Maré tem feito isso de uma forma muito eficiente e bonita”, diz Lia Rodrigues.

“E como conseguimos recursos para trocar o telhado do Centro de Artes e instalar energia solar, essa obra também aconteceu no nosso período de criação. Por conta das chuvas dentro do espaço, precisamos refazer o nosso palco de madeira algumas vezes. Tudo isso fez e faz parte do nosso dia a dia de ensaio”, complementa a coreógrafa, ressaltando também os protocolos de proteção adotados pela companhia, como uso de máscara, distanciamento, todos os artistas se locomovendo de Uber ou táxi para evitar a possibilidade de contaminação no transporte público, além de uma pessoa encarregada da higienização do palco, banheiro e espaço de alimentação, que trabalhou durante todo o período de ensaios. Para finalizar, testes de COVID-19 eram realizados todas as semanas.

“Organizar esse funcionamento exigiu muito trabalho e, é claro, muito investimento. Foi um longo processo para fazer Encantado acontecer. Já no final de 2019 comecei a elaborar um possível caminho para uma nova criação com leituras, encontros e pesquisas. Um processo bastante solitário para preparar o encontro com os artistas posteriormente, para os ensaios presenciais.  No início de 2020 comecei a levantar os recursos financeiros necessários para levar adiante um projeto de quase nove meses de ensaio envolvendo artistas, colaboradores artísticos, administração, espaço para ensaio, tempo para pesquisa, equipe técnica etc.”, conta Lia.

Ela reforça que isso só foi possível graças ao apoio concreto de várias instituições europeias, parcerias conquistadas ao longo do tempo. A companhia tem 32 anos e Lia começou a se apresentar na Europa em 1994. “É uma construção de confiança, troca, muitas atividades não somente artísticas, mas também de formação de público, aulas, palestras e encontros. Assim é sempre necessária persistência e, claro, muito muito trabalho. Uma diferença grande é que na Europa eles acompanham realmente o que faço desde então, eles conhecem e reconhecem o meu trabalho, e sabem que o mais importante é acompanhar um artista e suas atividades ao longo de sua carreira”, diz Lia.

Nos últimos anos, as únicas fontes brasileiras de investimento no seu trabalho têm sido o SESC de São Paulo (parceiro de muitas décadas), a Bienal de Dança de Fortaleza e o Festival de Curitiba, além da importantíssima parceria com a Redes da Maré nos projetos que desenvolvem juntas, como, por exemplo, o Centro de Artes da Maré que também é sede da Lia Rodrigues Cia. de Dança.

Lia Rodrigues começou sua carreira em São Paulo, onde nasceu. Em 1991, já morando no Rio de Janeiro, estreou o espetáculo Gineceu, que marca o início de sua trajetória como coreógrafa à frente da Lia Rodrigues Companhia de Dança.

Foto: Sammi Landweer
"Encantado"

 

Fichas Técnicas

 

Encantado

Criação:  Lia Rodrigues. Dançado e criado em estreita colaboração com Leonardo Nunes, Carolina Repetto, Valentina Fittipaldi, Andrey Da Silva, Larissa Lima, Ricardo Xavier, Joana Lima, David Abreu, Matheus Macena, Tiago Oliveira, Raquel Alexandre. Assistente de criação: Amália Lima. Dramaturgia:  Silvia Soter. Colaboração artística e imagens:  Sammi Landweer. Criação de luz:  Nicolas Boudier com assistência técnica de Baptistine Méral e Magali Foubert. Operação de luz: Jimmy Wong. Trilha sonora/mixagem: Alexandre Seabra (a partir de trechos de músicas do povo GUARANI MBYA/aldeia de Kalipety da T.I. Tenondé Porã, cantadas e tocadas durante a marcha de povos indígenas em Brasília em agosto e setembro de 2021 contra o ‘marco temporal ‘, uma medida inconstitucional, que prejudica o presente e o futuro de todas as gerações dos povos indígenas). Produção e difusão: Colette de Turville com assistência de Astrid Toledo. Administração França: Jacques Segueilla. Produção Brasil: Gabi Gonçalves / Corpo Rastreado. Produção e idealização do projeto Goethe Instituto: Claudia Oliveira. Secretária: Glória Laureano. Professores: Amalia Lima, Sylvia Barretto, Valentina Fittipaldi. Uma coprodução de Scène nationale Carré-Colonnes; Le TAP – Théâtre Auditorium de Poitiers; Scène nationale du Sud-Aquitain; La Coursive – Scène nationale de La Rochelle; L’empreinte, Scène nationale Brive-Tulle; Théâtre d’Angoulême Scène Nationale; Le Moulin du Roc, Scène nationale à Niort; La Scène Nationale d’Aubusson; Kunstenfestivaldesarts (Brussels); Brussels, Theaterfestival (Basel); HAU Hebbel am Ufer (Berlin); Festival Oriente Occidente (Rovereto); Theater Freiburg; l’OARA – Office Artistique de la Région Nouvelle Aquitaine; Julidans (Amsterdam); Teatro Municipal do Porto; Festival DDD, dias de dança; Chaillot – Théâtre national de la Danse (Paris); Le CENTQUATRE-PARIS; e Festival d’Automne à Paris. Com apoio de FONDOC (Occitanie) /França; Fundo internacional de ajuda para as organizações de cultura e educação 2021 do ministério federal alemão de Affaires étrangères, do Goethe-Institut et de outros parceiros; Fondation d’entreprise Hermès/França, com a parceria de France Culture.

Lia Rodrigues é artista associada do Théâtre national de la Danse (Paris); Le CENTQUATRE-PARIS.

Uma produção da Lia Rodrigues Companhia de Danças com apoio da Redes da Maré (Campanha “A Maré diz não ao Coronavírus – projeto  Conexão Saúde”) e do  Centro de Artes da Maré. Agradecimentos:  Thérèse Barbanel, Antoine Manologlou, Maguy Marin, Eliana Souza Silva, equipe do Centro de Artes da Maré.

 

“Encantado” é dedicado para Olivier.

 

Fúria

Criação: Lia Rodrigues. Assistente de criação: Amália Lima. Dançado e criado em estreita colaboração com: Leonardo Nunes, Carolina Repetto, Valentina Fittipaldi, Andrey Silva, Larissa Lima, Ricardo Xavier, Joana Lima, David Abreu, Matheus Macena, Tiago Oliveira, Raquel Alexandre. Também criado por: Felipe Vian, Clara Cavalcante, Karoll Silva. Dramaturgia: Silvia Soter. Colaboração artística e imagens: Sammi Landweer. Criação de Luz: Nicolas Boudier. Operação de Luz: Jimmy Wong. Produção e difusão internacional: Colette de Turville. Produção e difusão Brasil: Gabi Gonçalves/ Corpo Rastreado. Secretária/administração: Glória Laureano. Professoras: Amália Lima, Sylvia Barreto. Coprodução: Chaillot – Théâtre national de la Danse, CENTQUATRE-Paris, Fondation d’entreprise Hermès dans le cadre de son programme New Settings,  Festival d’Automne  de Paris, MA scène-nationale, Pays de Montbéliard, Les Hivernales – CDNC (França);  Künstlerhaus Mousonturm Frankfurt am Main, Festival Frankfurter Position 2019 –BHF-Bank-Stiftung, Theater Freiburg,  Muffatwerk/Munique (Alemanha); Kunstenfestivaldesarts, Bruxelas (Bélgica); Teatro Municipal do Porto,  Festival DDD – dias de dança (Portugal).

Uma realização da Lia Rodrigues Companhia de Danças com o apoio da Redes da Maré e do Centro de Artes da Maré.

Lia Rodrigues é uma artista associada ao Chaillot-Théâtre national de la Danse e ao CENTQUATRE, França.

Agradecimentos:  Zeca Assumpção, Inês Assumpção, Alexandre Seabra, Mendel Landweer, Jacques Segueilla , equipe do Centro de Artes da Maré e da Redes da Maré.

 

Serviço:

Teatro Paulo Autran (Sesc Pinheiros): rua Pais Leme, 195, Pinheiros, São Paulo (SP).

Encantado:

17 de março a 10 de abril/2022.

Quinta a sábado às 21h. Domingos às 18h.

Duração: 60 minutos.

 

Fúria:

14, 16 e 17 de abril/2022.

Quinta e sábado às 21h. Domingo às 18h.

Duração: 70 minutos

 

Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (credencial plena e meia)

https://www.sescsp.org.br/

 

Classificação etária: 16 anos.

Foto: Sammi Landweer
"Encantado"