Mabui, nova criação do Núcleo Lúcia Kakazu, de São Paulo, pode ser definido, na espiritualidade da ilha japonesa de Okinawa, como uma pulsação, a energia vital que anima o corpo – o fluxo de algo que não se vê, algo que se encontra no “entre”.
A pulsação do Mabui é cultivada entre as Yutás e Kamintyus, mulheres da espiritualidade de Okinawa, que percebem, equilibram e resgatam essa energia.
Através de procedimentos de intensificação da vibração do corpo, da voz e da respiração, a dança faz um mergulho nas imagens e conexões corporais que emergem a partir de um estado de escuta sensível do corpo.
Fruto do mergulho em uma longa pesquisa sobre Okinawa, ilha principal do arquipélago de Ryukyu, no Japão, e sua comunidade diaspórica espalhada pelo mundo, particularmente no Brasil, a obra se aproxima de uma tradição de espiritualidade singular e viva.

“O projeto nasceu a partir da pesquisa e contatos que surgiram no meu primeiro trabalho autoral que se chama Oba Nu Mun – que em uchinaguichi, língua de Okinawa, significa coisas da avó. A dança partia de aspectos documentais e das memórias da relação com a minha avó, já falecida, que imigrou de Okinawa ao Brasil após a Segunda Guerra. Ao final, iniciei um mergulho nos estudos sobre a história de Okinawa”, conta Lúcia.
A pesquisa levou em conta o reconhecimento, feito há alguns anos pela Organização das Nações Unidas (ONU), de Okinawa como uma etnia indígena no Japão. Em São Paulo, há uma grande comunidade, com a língua e a cultura do arquipélago ainda vivos e preservados. “Percebi os movimentos migratórios que formam essa comunidade no Brasil e passamos a observar as formas de reinvenção de uma cultura diaspórica, com forte expressividade na cidade de São Paulo”, diz a artista.
Mabui tem como recorte, em sua pesquisa, a espiritualidade presente nessa comunidade. Dois encontros foram decisivos para a criação: o contato com Beatriz Nagahama, Kamintyu (sacerdotisa da espiritualidade de Okinawa) e o texto Se tornando uma xamã étnica Okinawana no Brasil – Xamanização como um processo subjetivo e criativo de re-culturalização, de autoria de Koichi Mori, que foi membro do corpo editorial de Estudos Japoneses (USP), da Universidade de Tokyo e da Universidade de Kanagawa.
A partir disso, o Núcleo chegou a histórias das Yutás e Kamintyus, espécie de xamãs, que sustentam essa forma de culto no Brasil, com incorporações, ao longo de décadas, de atualizações e hibridizações culturais entre os dois países. “Essas mulheres são as responsáveis pela manutenção dessa espiritualidade, realizam os ritos cultuando a natureza e o ambiente onde vivem, também cuidam dos processos de luto e da comunicação com o mundo dos mortos. São elas que percebem e manipulam aquilo que está no entre”, explica Lúcia Kakazu.
A nova criação de Lúcia Kakazu aborda essa prática com procedimentos de intensificação da vibração do corpo, da voz e da respiração, com um mergulho nas imagens e conexões corporais que emergem a partir de um estado de escuta sensível do corpo.

Projeto
O projeto Mabui teve início há cerca de um ano, com mesas e oficinas de pesquisadores e artistas. A primeira atividade, Okinawa Indígena, reuniu os pesquisadores Karina Satomi e Victor Kinjo, que fizeram parte da delegação que representou Okinawa no 18° Fórum da ONU para Questões Indígenas, em Nova York, e Gabriela Shimabuko, pesquisadora atuante na defesa do reconhecimento de Okinawa como uma etnia indígena aqui e no Japão.
Outras atividades aconteceram, como o workshop Memória em cena – Reinvenção e Ativação e o espetáculo Obá Nu Mun. Também fez parte do projeto duas sessões de Encontros Híbridos, plataforma de troca com artistas da dança que pesquisam, em suas estéticas e procedimentos de trabalho, ritos e matrizes originárias presentes no Brasil.
Para essa ação foi convidado o artista do corpo Fredyson Cunha que apresentou o espetáculo Brevidades, criado a partir do contato com os índios Bororos (MT) e seu complexo ritual funerário, além do workshop Boe Top Aru (bater os pés).
O segundo artista convidado foi Urubatan Miranda, que criou a dança Negaça – autobiografia, memória e ancestralidade. A obra parte de pesquisas e experiências na Tenda Espírita Pai Jacob, terreiro de Umbanda localizado em Campos dos Goytacazes (RJ), e que resiste a três gerações em sua família.
Todas as atividades foram transmitidas e algumas estão disponíveis no canal do YouTube do Núcleo Lúcia Kakazu.
Núcleo Lúcia Kakazu
É composto pela bailarina Lúcia Kakazu e pelo músico Ricardo Kakazu. Em 2019 criaram o espetáculo Obá Nu Mun, que teve sua estreia no Sesc Ipiranga, integrando a programação da Mostra Sentidos (SESC). A obra foi apresentada em diversas cidades do estado de São Paulo. No mesmo ano ganharam o prêmio PROAC Circulação em Dança, que previa apresentações por diversas cidades do interior paulista e que devido à pandemia foi finalizada de forma virtual.
O núcleo se debruça na pesquisa sobre a ancestralidade de Okinawa numa perspectiva contemporânea e estreia agora Mabui – contemplado na 29ª Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo.

Ficha técnica – Mabui
Direção, concepção e performance: Lúcia Kakazu. Performer e músico (Sanshin): Ricardo Kakasu. Orientação artística: Elias Cohen. Assistente de direção e fotografia: Suellen Leal. Provocação artística: Emilene Gutierrez. Direção musical: Victor Kinjo. Trilha sonora: Victor Kinjo e Ricardo Kakazu. Figurino: Andreia Hiromi. Cenário: Catarina Gushiken. Iluminação: Mauro Martorelli. Aprimoramento técnico: Beatriz Sano, Bruna Oshiro, Inês Terra e Satoru Saito. Conversas rituais: Beatriz Nagahama, Laís Miwa Higa, Karina Satomi, Gabriela Shimabuko, Victor Hugo Kebbe, Victor Kinjo. Encontros híbridos: Urubatan Miranda e Fredyson Cunha. Design gráfico:
Satsuki Arakaki e Shima. Assessoria de imprensa: Canal Aberto. Produção executiva: Mariana Novais – Ventania Cultural. Consultoria de produção: Daniele Sampaio – SIM! Cultura.
- Onde:
- Teatro João Caetano
- Quando:
- 25 de março a 24 de abril/2022
Sextas e sábados às 19h
Domingos às 17h - Quanto:
- Grátis
- Info:
Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clementino, São Paulo (SP).
Duração: 60 minutos.
Recomendação etária: 12 anos.
Obrigatória a apresentação atualizada do comprovante de vacinação (mínimo 2 doses) e uso correto da máscara.
**Em caso de chuva, não haverá espetáculo.
Atividades on-line gratuitas:
Corpo Selvagem | Mente Desperta, workshop com Elias Cohen
Datas: 28, 29 e 30 de março, das 10h às 12h
Inscrições através do link: https://linktr.ee/NucleoLuciaKakazu
Caminho do Dançante, com Elias Cohen e mediação de Lúcia Kakazu (bate-papo)
Data: 30 de março, às 20h
Presencial no Teatro João Caetano:
Workshop Liminaridades Ancestrais
Datas: 5, 7, 12 e 14 de abril
Terças e quintas, das 9h às 11h30
Vagas: 10
Inscrições através do link: https://linktr.ee/NucleoLuciaKakazu